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JEREMY CORBYN, UM POLÍTICO QUE SE DISTINGUE PELA SUA SERIEDADE – QUAIS SÃO AS PRIORIDADES DE JEREMY CORBYN? BREXIT DE ESQUERDA, UMA VIA MUITO ESTREITA – por CHRIS BICKERTON

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Quelles priorités pour Jeremy Corbyn? Brexit de gauche, une voie étroite, por Chris Bickerton

Le Monde Diplomatique, Fevereiro de 2019

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

Considerada uma ameaça por alguns conservadores, a decisão britânica de abandonar a União Europeia poderá representar uma oportunidade para os trabalhistas, caso cheguem ao poder. Livres dos tratados neoliberais que organizam a União, eles teriam maior margem de manobra para implementar o seu programa. Resta-lhes convencer os seus militantes disso mesmo, uma que estes estão convencidos de que só existe um Brexit de direita.

Chris Bickerton 

 

Eamonn Doyle. — Sem título 36, 2014
© Eamonn Doyle / Neutral Grey – Michael Hoppen Gallery, Londres

 

“Eu gosto de Corbyn. Odeio o Brexit”. Este slogan tem estado nas t-shirts de alguns militantes trabalhistas nos últimos meses. Isto ilustra o paradoxo com que o Brexit confronta a esquerda britânica. Desde que Jeremy Corbyn assumiu o controle em 2015, o Partido Trabalhista retomou o trabalho em projetos que há muito negligenciava: renacionalizar serviços públicos degradados depois da sua privatização; reabilitar o investimento público, particularmente no setor industrial que cria empregos; e supervisionar as finanças para que esta deixe de ditar a sua lei para a população. Rompendo com anos de recuo ideológico, essas perspetivas têm ganho a adesão de largas camadas da população. Em poucos meses, o Partido Trabalhista transformou-se no maior partido europeu em termos de militantes (1).

Mas, embora Corbyn tenha sempre criticado a orientação neoliberal da integração europeia, a maioria dos novos ativistas do seu partido votou para manter o Reino Unido na União no referendo de 23 de junho de 2016 – especialmente nos grandes centros urbanos e entre uma população jovem que aprendeu a associar a ideia da Europa a uma forma de internacionalismo benevolente. Isto levanta implicitamente a questão de saber se podemos defender tanto o programa económico e social de Corbyn como a continuação da adesão do Reino Unido à União Europeia. Por outras palavras, será possível transformar o funcionamento da economia britânica no quadro dos Tratados europeus?

“Sim”, dizem os apoiantes de Bruxelas, esquecendo-se de mencionar que a União só tolera mudanças económicas quando estas aceleram o processo de liberalização. Os tratados não sancionam mecanicamente as políticas progressistas, mas impõem-lhes sérios limites.

Uma surpresa? Não propriamente, uma vez que o projeto europeu, concebido pelos conservadores e democratas-cristãos, se destinava originalmente precisamente a impedir o estatismo e o coletivismo que eles observavam do outro lado da Cortina de Ferro, e que foi defendido em particular pelos poderosos partidos comunistas da França e da Itália. Assim, apesar da sua neutralidade teórica, Bruxelas tem promovido sistematicamente a abertura aos mercados. Desde a assinatura do Ato Único em 1986, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias decidiu a maior parte dos conflitos entre os interesses nacionais e o sector privado a favor deste último. Em tal contexto, o Brexit poderia oferecer um banho de juventude à esquerda, permitindo-lhe refundar-se ideologicamente e voltar a ganhar a adesão da sua base social de origem: as classes populares..

Uma política regional destinada a relançar a economia do Mezzogiorno italiano, do Hauts-de-France ou das antigas aldeias mineiras do País de Gales seria contrária ao quadro europeu de auxílios públicos. A nível nacional, estes últimos só são permitidos na medida em que não impeçam a “concorrência livre e não falseada” inscrita no mármore dos tratados. Existem diferenças significativas entre os países da UE em termos de auxílios públicos: em 2016, a França afetou 0,65% do seu produto interno bruto (PIB) aos auxílios públicos; a Dinamarca 1,63% (2). De acordo com os textos da UE, o investimento público é permitido para uma gama limitada de iniciativas: a melhoria das infraestruturas locais, a proteção dos “locais de memória”… Mas um governo que procure relançar as economias regionais seria imediatamente responsabilizado por Bruxelas pelas suas políticas discriminatórias. Mas será que trabalhar para uma determinada região, por vezes à custa dos seus concorrentes, não constitui a própria definição de política regional?

A questão errada

O mesmo se aplica à liberdade de circulação dos trabalhadores. Criticar este direito é agora um tabu à esquerda. Ousar fazê-lo é a forma mais segura de ser rotulado de “xenófobo”, “racista” ou “castanho-avermelhado”. No início da construção europeia, esta “liberdade” foi exigida pelo governo italiano, que, nos anos 50, quis exportar os seus desempregados para se proteger contra as suas reivindicações. Atualmente, a flexibilidade e a abertura do mercado de trabalho do Reino Unido significam que os empregadores já não têm de se preocupar com a formação profissional: o fluxo de migrantes permite-lhes tirar partido das competências adquiridas (e financiadas) noutros locais. Também não há necessidade de aumentar os salários para atrair novas capacidades de trabalho.

O Brexit já começou a transformar o mercado de trabalho britânico, sob o olhar preocupado dos lobistas do probusiness. No sector da construção, onde a percentagem de trabalhadores dos Estados-Membros da UE é particularmente elevada (35% em Londres e no Sudeste de Inglaterra), os salários estão a crescer mais rapidamente do que a média: +4,6% entre Maio e Agosto de 2018, em comparação com +3,1% no resto da economia.

Sair dos tratados europeus poderia também permitir repensar o modelo de crescimento britânico. Atualmente, é baseado no consumo. Num contexto em que a baixa produtividade pressiona os salários à baixa, o seu financiamento depende em grande medida do boom imobiliário. Mas o aumento dos valores habitacionais favorece os baby-boomers que compraram as suas casas na década de 1990. Pelo contrário, exclui as gerações nascidas entre 1980 e o final dos anos 2000. Romper com esta arquitetura económica para desenvolver a economia produtiva, fonte de emprego, exigiria instrumentos para controlar os fluxos de capitais, o que Bruxelas proíbe. Com efeito, o mercado imobiliário britânico há muito que é um sector especulativo: a habitação é por vezes mais um investimento do que um local de residência.

Reabilitar o aparelho industrial implica também perturbar a arquitetura contemporânea das cadeias de valor, onde os fornecedores (na maioria das vezes pequenas e médias empresas) enfrentam um pequeno número de empresas que dominam o mercado e são capazes de exercer pressão descendente sobre as receitas dos seus fornecedores. Será difícil alterar este equilíbrio de poderes sem uma política industrial proactiva que combine investimentos a longo prazo com formas de proteção da produção local, a fim de permitir o desenvolvimento de novos sectores e das suas cadeias logísticas e de distribuição. Investimentos públicos? Protecionismo? A União Europeia está a privar os Estados desses instrumentos.

Corbyn tentou não ostracizar a parte do seu eleitorado que defende tanto o seu programa económico como a continuação da adesão do Reino Unido à União Europeia. Mesmo que isso signifique manter a ambiguidade. O Partido Trabalhista prometeu, assim, que, caso se chegasse ao Poder, iria negociar um acordo para estabelecer uma união aduaneira permanente – um acordo que obrigaria o Reino Unido a cumprir todas as regras estabelecidas pela União Europeia – sem de modo algum abandonar o seu programa de nacionalização ou de intervencionismo económico (3).

Hoje, aumenta a pressão para a realização de um segundo referendo sobre a saída da União – exigido por editorialistas proeminentes, por uma grande parte dos empregadores e pelas franjas mais pró-europeias dos partidos conservador e trabalhista. Corbyn, por outro lado, sugere que a saída do caos atual é mais provável que seja feita através de eleições gerais. “As pessoas sabem muito bem que o sistema não as serve”, afirmou em discurso proferido no dia 10 de Janeiro. Alguns acreditam que esta Europa os protege da precariedade e da insegurança. Os outros pensam que ela é precisamente parte dessa elite que os mergulha na precariedade e na insegurança. (…) Mas, de ambos os lados destes dois campos, que surgiram nessa ocasião, o referendo sobre a Europa foi muito mais do que a nossa relação com os nossos parceiros comerciais e as regras que a regem. Tratava-se de falar sobre como temos sido tratados durante décadas e como construir um futuro melhor. “Nestas condições, a propaganda mediática em torno do Brexit distorce, na sua opinião, as prioridades dos britânicos. Estariam menos interessados em poder responder à pergunta “A favor ou contra a Europa? ” do que a uma outra: “A favor ou contra as políticas seguidas desde que Margaret Thatcher chegou ao poder em 1979?”. A primeira das duas perguntas convida a um novo referendo; a segunda requer novas eleições. Problema: Qualquer moção de censura ao governo de Theresa May requer o apoio de alguns conservadores ou do ultra conservador Partido da União Democrática da Irlanda do Norte (DUP), que é hostil à ideia de uma união aduaneira.

No entanto, o voto a favor do Brexit revela menos a “intolerância”, o “racismo” ou a “insularidade” da população – como os meios de comunicação social eurófilos tentaram assinalar – do que a profundidade do sofrimento social de uma maioria do povo britânico. O escrutínio de 23 de junho de 2016 foi caracterizada por uma elevada participação (mais de 72%, contra 68% nas eleições gerais de 2017 e 66% nas eleições gerais de 2015), marcando o retorno às urnas de pessoas que não iam às urnas desde há décadas. Obviamente, a questão levantada fez com que as pessoas quisessem responder. A votação a favor da continuação na União Europeia registou os seus melhores resultados nos distritos urbanos: Londres e os seus distritos jovens e chiques, como Lambeth (78,6%) e Islington (75,1%), mas também cidades impulsionadas por um forte crescimento económico, como Cambridge (73,8%) e Oxford (70%). Pelo contrário, as regiões que não conseguiram encontrar o seu lugar na economia pós-industrial – a chamada “economia do conhecimento” – votaram esmagadoramente a favor da saída da União (4).

Este foi o caso de Clacton-on-Sea, uma famosa estação balnear do Mar do Norte nos anos 60 e 70, mas desde então esquecida. Ontem, a cidade era dinâmica e agora depende de subsídios estatais para sobreviver. Voltou à linha da frente quando elegeu o primeiro (e único) membro do Parlamento do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), hostil à imigração em 2014. Na altura, o jornalista de West Derbyshire e antigo deputado conservador Matthew Parris defendeu que o seu partido deveria “virar as costas” a Clacton-on-Sea, “uma cidade sem futuro”, “cujos eleitores não têm futuro”, uma concentração de “este Reino Unido que só tem muletas, um Reino Unido que se veste de fato de treino e calça sapatilhas de ténis”. “Não estou a sugerir que não nos devemos preocupar com as necessidades das pessoas que vivem em Clacton, ou lugares assim”, disse ele. “Mas, muito honestamente, apoio a ideia de que não devemos sobrecarregar-nos com a sua opinião (5)”. Em 2016, mais de 70% dos eleitores de Clacton-on-Sea votaram a favor da saída da União Europeia.

Continua a existir um enorme fosso entre a parte da população cuja angústia social a levou a votar no Brexit, que está sub-representada no Partido Trabalhista, e a maioria dos militantes pró-Corbyn, seduzidos pelo seu projecto político, mas convencidos de que sair da União é uma abordagem xenófoba e intolerante – em suma, convencidos de que há apenas um Brexit à direita.

Estes últimos estão a exigir um segundo referendo, especialmente se ele se propuser cancelar o resultado do anterior. Eles podem contar com o apoio de alguns dos deputados trabalhistas que, no Congresso de setembro de 2018, forçaram Corbyn a “concordar em considerar a possibilidade” de apoiar a ideia de uma segunda votação se ele não conseguir obter uma ida às eleições gerais. No entanto, em 18 de Janeiro, o sitio do eurófilo Guardian referia-se a uma outra ameaça aos Trabalhistas: a demissão dos deputados mais próximos da linha de Corbyn, convencidos de que apelar a novas eleições seria pisar os princípios democráticos e separar-se permanentemente das populações hostis à União Europeia… Tais contradições têm a sua origem na evolução sociológica e ideológica do Partido Trabalhista ao longo dos últimos trinta anos. O Brexit cristaliza-as de repente, de uma forma particularmente aguda.

Por seu lado, os Conservadores parecem determinados, por enquanto, a salvar o essencial. Os Conservadores ajudaram a infligir a humilhação mais grave da história do Parlamento britânico à Primeira-ministra Theresa May, rejeitando o seu projecto de acordo com Bruxelas por 432 votos contra 202 em 15 de Janeiro. Mas rapidamente ultrapassaram as suas divisões sobre a questão europeia para derrotar a moção de censura apresentada pelo Partido Trabalhista no dia seguinte, cuja adoção teria precipitado a realização de novas eleições. O deputado Mark François, apoiante de um Brexit duro e contra o acordo elaborado pelo Primeiro-Ministro, justificou a sua decisão de a apoiar: “Podemos ter tido as nossas divergências sobre a questão europeia, mas eu sou sobretudo um conservador.

 

Chris Bickerton, politólogo, Universidade de Cambridge.

__________

(1) Lire Allan Popelard et Paul Vannier, « Renaissance des travaillistes au Royaume-Uni », Le Monde diplomatique,avril 2018.

(2) « State aid scoreboard 2017 », Commission européenne, Bruxelles, http://ec.europa.eu.

(3) Lire Renaud Lambert, « Un sourire derrière la barbiche », Le Monde diplomatique, avril 2018.

(4) Lire Paul Mason, « “Brexit”, les raisons de la colère », Le Monde diplomatique, août 2016.

(5) Matthew Parris, « Tories should turn their backs on Clacton », The Times, Londres, 6 septembre 2014.

Leia este artigo no original, Le Monde Diplomatique de Fevereiro de 2019:

https://www.monde-diplomatique.fr/2019/02/BICKERTON/59567


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